Eu sei que parece exagero. Mas vou tentar relatar a minha experiência com Red Dead Redemption 2 e talvez você entenda o porque dessa obra de arte da Rockstar é considerada por mim como o melhor jogo da minha vida. Não é um review, não estou analisando elementos técnicos, nem nada parecido. É um relato da minha experiência apenas.
Esse texto está RECHEADO DE SPOILERS, e se você ainda não terminou o jogo eu recomendo fortemente que você não leia agora. Termine o jogo, viva toda a experiência sem spoilers e depois volte para ler!
Eu relato aqui alguns momentos chave do jogo e qual foi a minha impressão em cada um deles.
Se quiser deixar sua experiência de leitura ainda mais rica, leia o texto ouvindo essas duas músicas da trilha sonora do jogo:
• See the Fire in Your Eyes
• That’ the way it is
Quem são essas pessoas?
Em poucas horas de jogo, você logo percebe que os diálogos entre os personagens enquanto eles se dirigem a alguma missão são tão ou mais importantes do que o gameplay em si. São nesses momentos que o jogo aproveita aquele tempo “livre” para construir cada personagem, seus pensamentos, suas percepções, angústias e desejos.
Em cada missão, seja ela paralela ou não, o jogo adiciona fragmentos da personalidade de cada uma das pessoas da sua gangue. E quando você menos percebe, já está envolvido.
Fora isso, é uma delícia aproveitar e curtir os momentos no próprio acampamento com a sua gangue. Presenciar as brigas, as discussões, as rodas de violão em volta da fogueira ou a comemoração de algum golpe bem sucedido. Tudo isso é pensando e feito com o único propósito de fazer com que você se importe com essas pessoas. Elas tem rosto, tem nome, tem história, tem desejos. Elas são “humanas”, na medida do possível para um jogo de video game. Aliás, eu fiquei uns 15 minutos vendo o Javier tocar violão em volta da fogueira, e cantando com a galera. Foi demais!
E mais do que isso. Todas essas interações e momentos servem para que a gente veja quem é Arthur Morgan.
Mesmo que a gente esteja no controle, ele tem sua personalidade, sua visão do mundo e reparte isso conosco nesses momentos também.
Até os diálogos que parecem mais banais ajudam muito na humanização de cada um. Saber que o Dutch gosta de fumar cachimbos, que o Mr. Pearson apesar de gordinho, se preocupa com a sua beleza, e que a Sadie Adler sente muito a falta de seu marido e por isso, é movida á ódio e vingança são elementos riquíssimos para nos mostrar quem é quem na gangue.
Em todos esses momentos, eu senti amizade, alegria e pertencimento.
Amizade e Perda
Arthur é um dos mais velhos do grupo, junto de Dutch e Hosea. Por isso, ele assume um papel de mentor em alguns momentos. Um dos momentos que mais me chamou a atenção foi na missão em que Arthur leva Lenny ao Saloon e os dois tomam um porre FEDERAL.
Apesar de ser bem engraçado, o tempo todo ele se preocupa em encontrar e cuidar de Lenny, para que ele não se meta em confusão, para que não faça nada de errado. Nesse momento, criei uma conexão com Lenny. Dividi com eles momentos de felicidade, de alegria. Demos risadas, nos divertimos.
E vemos Arthur dizer em diversos momentos que Lenny é um bom garoto, que faz bem os trabalhos, etc. Ele acompanha Arthur em algumas missões depois desse porre, conversam e fortalecem o vínculo que foi criado. Logo ele se tornou um dos meus personagens favoritos. Até o dia do assalto ao banco em Saint Denis.
O assalto é um fracasso e Hosea é assassinado pelo Pinkerton. Aí eu já estava devastado. Gostava bastante do velhinho. Mas logo em seguida, na fuga pelo telhado, Lenny é morto por mais policiais. A cena tem poucos segundos. Não há música triste, nem nada.
Ele simplesmente toma um tiro e morre. Isso caiu como uma bomba para mim. Foi como um corte seco e inesperado.
Eu ainda estava fugindo da polícia, correndo pelos telhados, ouvindo tiros passando perto da minha cabeça, mas não conseguia parar de pensar no Lenny e no fim que ele teve. A vida é assim, não? Quando a gente menos espera, as coisas simplesmente acontecem. Achei incrível como, após esse episódio triste, minha raiva dos Pinkerton cresceu, e logo percebi que, mais do que causar um buraco no meu peito com a sua morte, o jogo usa isso como instrumento para me manipular. Para me fazer mergulhar ainda mais fundo nesse mundo e despertar mais emoções. Foi incrível.
Triste, mas incrível. Eu senti tristeza e muita raiva.
Esperança
Mais á frente, Arthur foge num navio que naufraga e eles acordam em Guarma, uma ilha perto de Cuba. Enquanto eu jogava essa parte, não estava curtindo. Não via muito sentido em estar ali e nesse momento, achei que a história tinha se perdido completamente. Não fazia nenhum sentido. Fiz todas as missões e arrumar um jeito de escapar da ilha. Foi maçante, demorado, mas finalmente deu certo.
E quando retornei finalmente ao continente, eu me dei conta do porque essa parte do jogo existe.
Logo que Arthur volta, Dutch diz para ele pegar um cavalo e correr até o acampamento para ver se havia alguém vivo, se tínhamos notícias de alguém. Nesse momento eu despertei. Eu não tinha ideia de como a gangue estava e o que tinha acontecido. Fiquei tão “perdido” em Guarma que simplesmente não havia esquecido da gangue. E essa, foi uma das cavalgadas mais difíceis de todo o jogo.
Roubei um cavalo qualquer na cidade, e parti em direção ao local do acampamento. Nessa cavalgada, ao som da maravilhosa música May I?, eu só conseguia pensar na gangue. Eu estava ansioso. Queria chegar rápido! Apertava o X com uma pressa diferente de quando estou fugindo de alguém. Nesse momento, eu cavalgava com a esperança de reencontrar meus companheiros. De vê-los novamente, saber que estão bem.
Foi uma sensação inexplicável. Eu senti muita angústia e muita esperança.
A primeira redenção
Quando Arthur começou a tossir e vi que havia sangue em sua mão, eu fiquei assustado. É sério isso?
Logo fiquei imaginando que iria fazer alguma missão para encontrar aquele médico que ajudei em Rhodes e iria me curar. Ou que teria que achar alguma receita e colher ervas para fazer o remédio. Algo assim. As cenas em que Arthur passa mal e fica debilitado, me deixaram bastante aflito. Caramba, eu estava tão mal assim? Depois fui ao médico e ele afirma. Você está com tuberculose, é grave e você não tem muito tempo de vida.
Wow.
É engraçado pensar que, durante o jogo, a gente morre um monte de vezes, e pelas coisas mais idiotas. Ataque de lobos, cair de um lugar alto, tiros dos malditos O’Driscolls e por aí vai. Mas você nunca se importa de verdade porque sabe que vai voltar e tudo vai ficar bem.
Dessa vez era diferente. Dessa vez parecia ser definitivo. E isso me assustou. Eu não queria morrer, muito menos daquela forma. Fiquei com medo do que poderia acontecer comigo, com a gangue, com tudo que eu havia conquistado e com os planos que eu tinha feito. Porra, como assim eu vou morrer? E de tuberculose? Como isso aconteceu?
Eu senti medo e indignação.
Aí eu lembrei de uma missão que o Strauss me deu. Eu devia cobrar uma dívida de um senhor chamado Mr. Thomas Downes. Ele estava doente, tossia alguma vezes. Eu bati nele, fiz ameaças e cobrei o dinheiro que ele devia. Ele tosse e cospe sangue na minha cara. Sua esposa e filho chegam, dizem para que ter compaixão, que ele está doente e que vão pagar quando puderem. Eu saio fazendo ameaças. Preciso voltar depois para cobrá-los.
Para quem não lembra, é essa a cena.
Mais pra frente, quando voltamos para cobrar, ele já está morto. Sua família está de mudança pois estão quebrados, sem dinheiro. O filho de Mr. Downes está bravo, a esposa está triste e desolada. Foi difícil ver aquelas pessoas naquela situação, e eu tendo que ir até eles para cobrar uma dívida. Mais pra frente, reencontro essa mulher em Annesburg. Ela virou prostituta, seu filho é humilhado trabalhando dentro da mina, e eles estão lutando para sobreviver. É impossível não pensar que eles estão nessa situação por minha causa.
Eu senti muita culpa e muito remorso.
A Transformação
No começo do jogo, eu via Dutch como um pai. Um líder, que fazia tudo o que podia pelo bem do bando.
E via que esse cara tinha um sonho. Juntar dinheiro, comprar um terreno para que todos vivessem em paz. Sair daquela vida bandida para viver o sossego merecido. Nosso bando nada mais era do que um grupo de abandonados, renegados, desesperados. Um bando que via em Dutch uma esperança de uma vida melhor. E eu era um deles. Nas primeiras missões, eu comprava essa ideia, e tudo o que eu fazia tinha esse propósito.
Mas o tempo é implacável. E com ele, as pessoas mudam. Ou mostram quem realmente são.
Conforme as missões e os capítulos foram passando, nós assistimos Dutch se transformar em uma pessoa que não se importava tanto com os outros como ele dizia antigamente. Que queria poder, vingança e dinheiro a qualquer custo. Enquanto eu, como Arthur, traçava um caminho completamente diferente. E aos poucos, tanto eu quanto Arthur (que durante o jogo, compartilhamos vários sentimentos) passamos a enxergar Dutch de um jeito diferente. E parte do bando também enxergava isso. Aquele cara que era um líder, um exemplo, um guia, passou a ser uma figura irreconhecível. Nós havíamos perdido nosso norte, e mais do que isso, nosso amigo, nosso parceiro.
Eu senti decepção e frustração.
O Adeus
Logo que o jogo começou, eu comprei um cavalo baratinho, de uns 100 dólares. Dei o nome dele de Canela, pela sua cor marrom. Fiquei feliz com a compra, estilizei sua crina e seguimos para nossas missões. Em uma delas, quando devemos resgatar Micah da prisão em Strawberry logo no início do jogo, deixei Canela ao lado da prisão e executei a missão.
Foi uma bagunça generalizada. Tiros para todo lado e no fim nós fugimos com outros cavalos que roubamos. Nessa confusão toda, eu perdi o Canela. Não sei se ele morreu, se ele fugiu, não sei nada. Voltei para Strawberry para tentar encontrá-lo e não tive sucesso. Apesar do pouco tempo com ele, eu tinha em certo apego. Era o MEU cavalo, e me custou suados 100 dólares.
Eu senti tristeza.
Pouco depois, decidi comprar um novo cavalo. Fui ao estábulo, e comprei o Martin. Ele tinha uma cor meio creme e parecia bem maior e mais forte que Canela, talvez por isso tenha me custado um pouco mais de dinheiro. Customizei sua crina novamente, e jurei que teria mais cuidado com ele dali em diante. Nós vivemos grandes aventuras. Martin me ajudou em diversas fugas, em caças, em missões. Sempre que eu podia, fazia um carinho, alimentava, escovava seu pelo… Comprei celas melhores, cobertas melhores e todo equipamento para que ele não se cansasse tanto e fosse um cavalo melhor.
Me doía nas (diversas) vezes em que eu bati em árvores pelo caminho e ele se machucava. E evitava andar por regiões com animais que pudessem assustá-lo. No fim das contas, Martin já era parte de mim. Depois de tanto tempo junto dele, era natural que eu estivesse apegado. Mesmo com mais dinheiro, não quis comprar um cavalo melhor. Eu gostava do Martin e não queria trocá-lo.
Enfim, a missão final. Na fuga da caverna, Martin é atingido e me derruba no chão. Estranhei pois isso nunca havia acontecido antes. Em seguida, uma das cenas mais tristes do jogo, Arthur se ajoelha próximo a Martin que agoniza no chão. Faz um carinho na sua cabeça como quem sabe o que está para acontecer. Se aproxima dele e diz: “Obrigado.”
Eu tive que pausar o jogo pois simplesmente não acreditava no que havia acontecido. Meus olhos encheram de lágrimas, e eu senti, de verdade, a sua morte. Por tudo que vivemos juntos, e por tudo que ele significou para mim, eu senti tristeza e gratidão.
A última redenção
Durante toda a saga com o povo indígena do chefe Chuva Caindo, em um determinado momento, ele nos convida para dar um passeio á cavalo para falar de toda a situação com seu filho, Águia Voando. Topei e no caminho, vamos conversando bastante. Em uma oportunidade, surge a opção de conversar com ele sobre “Filho de Arthur”. Na hora eu não entendi nada e escolhi essa opção.
Arthur conta que há muito tempo, ele teve um filho chamado Isaac, com uma garçonete chamada Elisa. Por conta da vida que levava, Arthur passava de meses em meses para ficar com eles alguns dias. Em uma dessas vezes, ele chegou e viu duas cruzes do lado de fora da casa. E ele entendeu o que havia acontecido.
Arthur nunca teve uma família propriamente dita. Com os dois mortos, ele conheceu Mary, mas o relacionamento não deu certo e a única família que ele tinha era a gangue. Dutch era como um pai, Hosea como um avô ou um irmão mais velho e por aí vai. Ele nunca pode viver uma vida simples, ter sua família, uma casinha pra morar. Mas se ele não poderia viver essa vida, ele sabia que alguém poderia. E esse alguém é John Marston. John Marston tinha um relacionamento com Abigail que também era da gangue, e eles tiveram um filho, Jack. Os três viviam com todos no acampamento, mas Arthur sabia que ele poderia fugir dali e viver a vida que ele mesmo nunca conseguiu viver.
E no fim da sua vida, depois de tudo o que ele viver e sentiu nesses anos como um fora da lei, Arthur decide que quer dar a John a oportunidade que ele nunca teve. E no final de tudo, quando EU, como jogador, poderia escolher entre ajudar John a fugir, ou pegar toda a grana da gangue, esse sentimento falou mais alto. Na cena final após nossa luta, Micah diz: “Você perdeu, Arthur. Você perdeu.”
E Arthur responde: “No final, Micah, mesmo com todos os meus esforços para que fosse o contrário, eu venci.”
Dutch aparece, e Micah diz a ele: “Vamos embora, Dutch! Nós conseguimos!” Num último esforço, Arthur diz: “John conseguiu. Ele foi o único. O resto de nós… não. Mas eu tentei. No final… eu tentei.” Arthur é deixado ali, sua respiração é difícil. O sol começa a nascer, e ele para de respirar. Tive que enxugar as lágrimas novamente nesse momento.
No fim da minha jornada, eu havia entendido. Arthur teve uma vida cheia de Sangue e Morte. Mas no final, ele conseguiu a sua Redenção. E mesmo com a sua morte, eu estava feliz. Feliz por Arthur ter tido um final de vida como aquele. Lutando pelo que ele realmente acreditava, e se sacrificando em nome do amor, da amizade e do seu próprio sonho.
Eu senti amor e compaixão.
Para você que não é tão emotivo quanto eu, ou que não jogou o jogo mas resolveu ler assim mesmo, tudo isso pode soar meio exagerado. Mas é exatamente esse turbilhão de emoções, de sentimentos e de vivências que faz de Red Dead Redemption 2 o melhor jogo que eu já joguei na vida. Eu nunca havia me envolvido de tal maneira com um jogo antes.
Claro que eu já senti alegria em conquistar objetivos em algum jogo, ou raiva por não passar de uma fase em algum outro. Acredito que todos já sentiram coisas assim enquanto jogavam videogames. Mas com RDR2 foi diferente. Esse jogo conseguiu me transportar diretamente para o seu mundo, e criou conexões que eu não imaginava que existiam até o momento em que elas foram quebradas, colocadas à prova ou fortalecidas. Eu me envolvi de um jeito único, forte e verdadeiro.
Pode parecer bobagem para alguns, mas foi uma experiência única na minha vida e que eu desejo que todos vocês tenham a oportunidade de viver algo parecido algum dia.
E por tudo isso, eu só tenho a agradecer.
Mas a pergunta que não sai da cabeça é: afinal, onde está o Gavin?
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- 28 de novembro de 2018