Como todos sabem (ou deveriam), o Netflix fez uma série exclusiva (e maravilhosa) chamada Narcos. Como o nome sugere, trata da história do narcotráfico. E em sua primeira temporada, nada mais oportuno do que falar daquele que é até hoje considerado o maior narcotraficante da história: Pablo Emilio Escobar Gaviria.
A série do Netflix foca na fase mais rica de Escobar. A fase, datada de 1975 e chamada pelos historiadores de “Plata o Plomo” (prata – dinheiro – ou chumbo). E marca uma nova era no crime organizado da Colômbia. Pablo Escobar deixa de traficar cigarros para traficar cocaína. E é pelo pozinho branco do capeta que ele chegou a lucrar – sim, LUCRAR – US$ 20 bilhões por ano.
Como toda adaptação, a série dirigida por José Padilha tem algumas coisas a mais aqui e acolá. Vamos listar aqui os principais acontecimentos e traçar um paralelo com o que aconteceu na realidade.
Se você ainda não assistiu a série, cuidado! Os parágrafos à seguir estão cheios de SPOILERS! Continuar lendo é por sua conta e risco!
O M19 e a história com a espada de Simón Bolivar
Logo nos primeiros capítulos da série somos apresentados ao M19, grupo paramilitar pró-anarquismo que deseja “libertar” a Colômbia do capitalismo. O grupo realmente existiu, mas era um pouco diferente da série. A forma como são mostrados (em acampamentos no meio da selva) parece querer retratar todos os grupos paramilitares que se formaram naquela época. Porém, o M19 era essencialmente urbano, inclusive com forte engajamento político. E foi exatamente por motivos políticos que a espada de Simón Bolivar foi roubada. Tanto que alguns dias antes circulava pela cidade um panfleto anunciando “Cansado do passado? Vem aí o M19”
Na série, a espada é entregue à Pablo Escobar, quando o mesmo captura e leva para sua fazenda o líder do M19, Ivan, o Terrível. Historicamente, existem duas versões sobre esse fato. A primeira, aceita por muitos historiadores e defendida Daniel Meíja, diretor do Centro de Estudos sobre Segurança e Drogas da Universidade dos Andes, alega que a espada foi sim entregue à Pablo Escobar, tendo sido brinquedo de seu filho Juan por anos, segundo o mesmo. Já Thiago Rodrigues, especialista em narcotráfico pela UFF, discorda. Segundo Thiago, no ano de 1991, o M19 se tornou um partido político de fato e a espada foi devolvida ao governo colombiano dando a entender, portanto, que o grupo esteve de posse dela por todos esses anos.
Invasão ao Palácio da Justiça
Entre os dias 6 e 7 de Novembro de 1985, o M19 invade o Palácio da Justiça (segundo a série) para destruir provas contra Pablo Escobar. Ideia essa do próprio Pablo, que financiou toda a operação, matando os líderes da guerrilha em seguida.
A história real é um pouco diferente. Historicamente se defende que o M19 agiu sozinho nessa operação, com objetivo matar o então presidente Belisario Betancur, o qual eles consideravam um traidor em suas negociações. Era de sabedoria geral também que essas provas contra Pablo Escobar teriam cópias guardadas em outros locais, o que tornaria a versão da série ainda mais “errada”. A versão de que os líderes do M19 foram mortos por Pablo Escobar também não faz sentido, pois Ivan, o Terrível, foi morto pelos militares em 1985 e Escobar inclusive lamentou sua morte. Isso sem contar o personagem de Elisa, a qual não consta nenhum registro histórico. Não existe nenhum relato que aponte uma guerrilheira com esse nome sendo informante do DEA.
Pablo Escobar na política
A série diz a verdade quando mostra que em 1982, Pablo Escobar foi candidato e chegou ao congresso. Mas, diferente do que é mostrado, não é ele que toma essa iniciativa e sim os políticos que o convidam. Isso junto da ambição política que Pablo Escobar tinha (tanto na série, quanto na história real) uniu o útil ao agradável. Ironicamente, o convite partiu de um membro do partido de Luis Carlos Galán, futuro candidato à presidência que já adotava discurso anti narcotráfico.
A forma como Pablo Escobar foi denunciado narcotraficante não foi como contado na série, com todo aquele evento no congresso. Na verdade, ele foi “denunciado” pelo jornal El Espectador, quando o diretor do jornal revirou alguns arquivos antigos e encontrou uma nota sobre a prisão de Pablo Escobar por tráfico de drogas. Com isso, a pressão se tornou insustentável e ele foi expulso do partido, entregando seu cargo pouco tempo depois, como conta na série.
O atentado no voo da Avianca
O atentado de fato ocorreu exatamente como a série mostra. Foi um dos atentados mais chocantes da história, noticiado em todo o mundo. E de fato o homem que detonou a bomba não sabia que estava de posse dela. Realmente era um “suiza”, segundo a gíria local que dava nome aos suicidas.
Assim como na série, o atentado foi realmente planejado e arquitetado por um ex-membro do ETA chamado Dario Uzma. Porém, não foi ele que construiu a bomba, que na história real era bem mais simples, de fabricação caseira. Uzma nunca recebeu a quantia prometida por Escobar por arquitetar o atentado e quando cobrou-a, foi sumariamente assassinado.
Rendição, sequestros e a morte de Gustavo
A onda de sequestro (realmente intensificada na gestão Gaviria) foi parte fundamental no acordo de rendição de Pablo Escobar e ocorreu exatamente como na série. A diferença é que o Gaviria real era muito mais flexível e tolerante do que o da série, apesar de ter pensamentos e ideias concretas sobre como agir. O sequestro mais marcante foi (como na série) o de Diana Turbay, filha do ex-presidente Julio Cesar Turbay e possui realmente um fim trágico. Porém, na história real, ela morre já fora da casa (onde ficou em cativeiro por longos 6 meses, passagem essa de tempo não muito clara na série) correndo em fuga, alvejada por um helicóptero.
Sobre Gustavo, por ser um personagem central na série, sua morte foi deveras dramatizada. Não existem relatos nem registros de seu envolvimento com a irmã Ochoa. Foi morto depois de suas conversas telefônicas terem sido interceptadas. Ele achou que estava sendo atacado pelo Cartel de Cali.
Resumo final
Como vocês puderam ver, a série segue bastante à risca a história de Pablo Escobar, por mais mirabolante que pareça. E esses acontecimentos, aparentemente absurdos, só mostram o quanto o narcotraficante era ousado em suas investidas e por isso chegou aonde chegou.
Alguns detalhes não foram abordados na série com profundidade, como o motivo real da adoração do povo por Pablo Escobar. Óbvio que quem assiste faz uma ligação direta de que o traficante ajuda as comunidades pobres em troca de silêncio e uma suposta proteção dos moradores. Mas ele realmente construía casas, dava remédios e mantimentos de forma massiva, abundante e constante. Outro ponto chave é que ao final da primeira temporada, vemos Pablo Escobar e alguns de seus sicários saindo de La Catedral, quando a mesma é invadida. Isso ocorreu em 1991 e ele só foi morto em 1993 pela polícia numa emboscada de inteligência. Será que a segunda temporada mostrará isso? Só aguardando para saber.
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- 29 de outubro de 2015