Silêncio não é um filme fácil. É um filme, basicamente, sobre a fé levada às últimas consequências. E quando falo em consequências, estas estão lá sob as mais vis formas de tortura e persuasão, física e psicológica, infligidas sobre aqueles que ali estão para provar sua fé. Extremamente perturbador.
A jornada começa quando os padres Rodrigues (Andrew Garfield) e Garupe (Adam Driver) partem para o Japão a fim de resgatar aquele que era o mentor espiritual de ambos, padre Ferreira (Liam Neeson) em um Japão que promovia de forma institucional a perseguição contra o cristianismo que havia vivido naquele país, nos anos anteriores, um florescer admirável: 300 mil japoneses convertidos.
Nos minutos iniciais, temos uma amostra do tom amargo que vai nos acompanhar nas horas por vir: padres japoneses torturados e crucificados ao não negarem a fé, em uma árida e silenciosa paisagem, em Nagasaki.
Excelente do ponto de vista técnico (edição e fotografia impecáveis), é no uso do silêncio como a trilha sonora principal o que faz deste filme uma experiência verdadeiramente cinematográfica: desde a sequência de abertura, passando pelos momentos mais impactantes e mesmo naqueles onde a fé vacila (o que acontece principalmente com Rodrigues) o silêncio surge mais doloroso do que o mais estrondoso dos ruídos, interrompido apenas pelo uivo do vento e do quebrar das ondas, por uma ave solitária no céu ou mesmo pelo canto daqueles que, diante da morte, encontram forças para fazer da fé o seu último ato.
Essa tensão, onipresente, é parcialmente aliviada quando Kichijiro (Yosuke Kubozuka) surge em cena. O personagem, que inicialmente parece ser apenas um alívio cômico bobo, ganha profundidade conforme a história se desenrola. É uma espécie de Gollum católico, sempre tateando o caminho da redenção e da perdição.
O filme, aliás, tem o mesmo impacto sobre não católicos? Difícil dizer. Em determinado momento, a mística dos ritos católicos se faz notar na carência que aquelas pessoas tinham em relação à missa. A simples presença de um padre, para os aldeões, já é vista como uma resposta de Deus. Finalmente haveria a oportunidade da participação plena nos mistérios da igreja. A mesma resposta de Deus parece ser difícil de ser notada por Rodrigues, que externa a realidade de um Deus silencioso, calado, insensível ao sofrimento daqueles dispostos a morrer em nome dEle.
Conclusão
E é esse silêncio, reforçado pelas escolhas técnicas de Scorsese, o principal questionamento do filme. Deus está em silêncio? Deus está insensível? Existe Deus? O filme não se propõe a resolver essas questões de maneira lógica, racional. No fim das contas, a resposta que o filme dá a esses questionamentos é bastante subjetiva: Ou Ele está em silêncio ou precisamos aprender a ouvir a Sua voz.
Silêncio (Silence, 2016)
Direção: Martin Scorsese
Elenco: Adam Driver, Liam Neeson, Andrew Garfield, Ciáran Hinds, Yosuke Kubosuka, Issei Ogata, Shin’ya Tsukamoto.
Baseado no livro de Shûsaku Endô.
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- Cinema & TV, Críticas
- 12 de março de 2017